Filosofia e Arte são, desde sempre, inseparáveis, com questões mútuas entre si que abrangem a expressão e a história do homem ao longo da sua existência.
Renata Camargo Sá, Professora Associada de História e Teoria da Arte (Universidade Federal Fluminense) e Autora do livro: Verdade em Ato: Reflexões sobre a Arte na Época Moderna, responderá a seguir algumas questões a respeito dessas áreas.
(Paulo)
Como arte e a filosofia coincidem ?
(Renata)
Arte e filosofia são, ambas, formas de pensar o mundo, cada uma realiza essa reflexão à sua maneira. As artes pensam o mundo de forma poética, através da manipulação plástica dos materiais, da sonoridade musical, dos movimentos corporais e da encenação teatral. Hoje a filosofia se utiliza prioritariamente do pensamento discursivo, no passado, contudo, ela se deixava confundir com a arte, com a religião e até com a história. Desde que a filosofia abandonou a busca pelas essências e, sobretudo, a busca pela "autoria" das leis que regem nosso universo, ela tornou-se mais próxima da lógica do que da arte. E, de seu domínio, saíram quaisquer especulações de natureza metafísica e transcendental. A arte é ajuizamento sobre o mundo, mas não se submete à lógica. Arte sem filosofia, ou seja, sem pensamento, é mera técnica, não é arte.
(Paulo)
De quais formas mais objetivas a arte exprime e registra, com o passar do tempo, a história do homem ?
(Renata)
Enquanto ajuizamento sobre o mundo, a arte é sempre histórica, ou seja, surge diretamente da reflexão sobre a realidade histórica. Contudo, e vem daí um dos grandes mistérios da arte, ela também tem algo de universal que contradiz seu próprio enraizamento na história. A arte é o único fazer humano capaz de sintetizar todas as impressões sobre a realidade dada, o que faz dela um modelo para todos os nossos outros fazeres.
(Paulo)
A arte é um reflexo da natureza da vida e do homem, mas também pode estar presente no irracional, no complexo e no não natural, há uma congruência crucial entre o cultural e o natural ?
(Renata)
Discordo de que a arte seja um reflexo. Reflexos são produtos de espelhos, ou reações impensadas a impulsos provocados por estímulos externos sobre o nosso corpo. Arte é reflexão, isto é, pensamento e ajuizamento, o exato oposto do reflexo. Por isso ela poder representar, como no caso da arte figurativa, por exemplo, pois a representação/mímese é, ela também, não um reflexo, mas uma reapresentação da natureza pelo homem.
A relação entre a cultura e a natureza é um tema profundo e complexo, também determinado pela história. Cada momento da história do homem, essa relação foi pensada de uma maneira. De modo que qualquer afirmação que façamos agora sobre essa relação está sujeita a ser contestada pelas gerações seguintes. Portanto, hoje, é somente hoje, na filosofia, entende-se que a natureza é um conceito humano, logo cultural, sobre a realidade dada. Ou seja, sem o homem para conceitualizar a natureza, não existiria natureza. Isso se dá pois a existência das coisas, e a existência da natureza está aí incluída, para o homem científico moderno, depende da comprovação científica de sua existência. Essa comprovação só o homem pode fazer, pois requer a utilização de um método criado pelos humanos e que só eles sabem aplicar.
(Paulo)
Podemos diferir o belo à alma do belo aos olhos ?
(Renata)
Acho que não, pois se algo como uma alma existe, numa existência encarnada como a nossa, ela só pode se manifestar através do corpo, ou seja, dos nossos sentidos.
(Paulo)
De que forma podemos fazer uma analogia entre ética e estética?
(Renata)
A arte e a estética são sempre problemas éticos, pois sendo o fazer mais elevado do homem, a arte é parâmetro para todos os outros fazeres, como afirmei acima. A estética depende do ajuizamento sobre o bem, não apenas sobre o juízo do belo.
(Paulo)
Como podemos analisar a evolução do comportamento humano nos últimos séculos sob uma perspectiva artística ?
A palavra evolução talvez não se aplique ao caminhar do homem sobre a Terra. Evoluímos em muitos sentidos, principalmente técnicos, mas regredimos em outros. O mesmo se aplica à arte. Como dizia corretamente o poeta Ferreira Gullar, "a arte não evolui, ela muda". Assim, ela ganhou, mas também perdeu muito ao longo dos últimos séculos. A falência das autoridades, a desvalorização de todos os valores, e a onipresença da cultura de massa são apenas algumas das transformações recentes que abalaram fundamentalmente as estruturas de nossos conceitos de tradicionais de arte, para os quais a arte era a autoridade máxima, o maior de todos os valores e o objeto ícone da antiga alta cultura.
Renata Camargo Sá, Professora Associada de História e Teoria da Arte (Universidade Federal Fluminense) e Autora do livro: Verdade em Ato: Reflexões sobre a Arte na Época Moderna, responderá a seguir algumas questões a respeito dessas áreas.
(Paulo)
Como arte e a filosofia coincidem ?
(Renata)
Arte e filosofia são, ambas, formas de pensar o mundo, cada uma realiza essa reflexão à sua maneira. As artes pensam o mundo de forma poética, através da manipulação plástica dos materiais, da sonoridade musical, dos movimentos corporais e da encenação teatral. Hoje a filosofia se utiliza prioritariamente do pensamento discursivo, no passado, contudo, ela se deixava confundir com a arte, com a religião e até com a história. Desde que a filosofia abandonou a busca pelas essências e, sobretudo, a busca pela "autoria" das leis que regem nosso universo, ela tornou-se mais próxima da lógica do que da arte. E, de seu domínio, saíram quaisquer especulações de natureza metafísica e transcendental. A arte é ajuizamento sobre o mundo, mas não se submete à lógica. Arte sem filosofia, ou seja, sem pensamento, é mera técnica, não é arte.
(Paulo)
De quais formas mais objetivas a arte exprime e registra, com o passar do tempo, a história do homem ?
(Renata)
Enquanto ajuizamento sobre o mundo, a arte é sempre histórica, ou seja, surge diretamente da reflexão sobre a realidade histórica. Contudo, e vem daí um dos grandes mistérios da arte, ela também tem algo de universal que contradiz seu próprio enraizamento na história. A arte é o único fazer humano capaz de sintetizar todas as impressões sobre a realidade dada, o que faz dela um modelo para todos os nossos outros fazeres.
(Paulo)
A arte é um reflexo da natureza da vida e do homem, mas também pode estar presente no irracional, no complexo e no não natural, há uma congruência crucial entre o cultural e o natural ?
(Renata)
Discordo de que a arte seja um reflexo. Reflexos são produtos de espelhos, ou reações impensadas a impulsos provocados por estímulos externos sobre o nosso corpo. Arte é reflexão, isto é, pensamento e ajuizamento, o exato oposto do reflexo. Por isso ela poder representar, como no caso da arte figurativa, por exemplo, pois a representação/mímese é, ela também, não um reflexo, mas uma reapresentação da natureza pelo homem.
A relação entre a cultura e a natureza é um tema profundo e complexo, também determinado pela história. Cada momento da história do homem, essa relação foi pensada de uma maneira. De modo que qualquer afirmação que façamos agora sobre essa relação está sujeita a ser contestada pelas gerações seguintes. Portanto, hoje, é somente hoje, na filosofia, entende-se que a natureza é um conceito humano, logo cultural, sobre a realidade dada. Ou seja, sem o homem para conceitualizar a natureza, não existiria natureza. Isso se dá pois a existência das coisas, e a existência da natureza está aí incluída, para o homem científico moderno, depende da comprovação científica de sua existência. Essa comprovação só o homem pode fazer, pois requer a utilização de um método criado pelos humanos e que só eles sabem aplicar.
(Paulo)
Podemos diferir o belo à alma do belo aos olhos ?
(Renata)
Acho que não, pois se algo como uma alma existe, numa existência encarnada como a nossa, ela só pode se manifestar através do corpo, ou seja, dos nossos sentidos.
(Paulo)
De que forma podemos fazer uma analogia entre ética e estética?
(Renata)
A arte e a estética são sempre problemas éticos, pois sendo o fazer mais elevado do homem, a arte é parâmetro para todos os outros fazeres, como afirmei acima. A estética depende do ajuizamento sobre o bem, não apenas sobre o juízo do belo.
(Paulo)
Como podemos analisar a evolução do comportamento humano nos últimos séculos sob uma perspectiva artística ?
A palavra evolução talvez não se aplique ao caminhar do homem sobre a Terra. Evoluímos em muitos sentidos, principalmente técnicos, mas regredimos em outros. O mesmo se aplica à arte. Como dizia corretamente o poeta Ferreira Gullar, "a arte não evolui, ela muda". Assim, ela ganhou, mas também perdeu muito ao longo dos últimos séculos. A falência das autoridades, a desvalorização de todos os valores, e a onipresença da cultura de massa são apenas algumas das transformações recentes que abalaram fundamentalmente as estruturas de nossos conceitos de tradicionais de arte, para os quais a arte era a autoridade máxima, o maior de todos os valores e o objeto ícone da antiga alta cultura.